domingo, 7 de novembro de 2010

Eu sou neguinha...

Oi, pessoal.

Eu achei que eu seria diferente de todos os outros intercambistas que conheço e que postaria com mais frequencia no meu blog. Pura ilusão! A verdade é que eu descobri que aqui as pessoas podem ter uma vida mais ou menos normal, de trabalhos e estudos, o que faz não sobrar tanto tempo como o imaginado para postagens de textos looongos como os que eu costumo postar. rs. Ok, ok.

Hoje, quem estiver esperando mais um dos meus textos bem-humorados de sempre, pode parar de ler por aqui. Rs. O assunto hoje é mais sério, finalmente. Neo-nazismo, cultura, complicações estrangeiras:

Bom, ao sair do Brasil, ouvi vários conselhos que achei bastante engraçados, do tipo: "cuidado com o neo-nazismo"; "cuidado que na alemanha você é preta"; "Não vai contando pra todo mundo seus pensamentos liberais, que você morre". Eu achei tudo isso uma bela palhaçada, e inclusive fiz várias piadas com esse conteúdo antes da minha partida. Certo, até certo ponto, é sim uma bela palhaçada, mas só até certo ponto.

Eu moro em uma cidade universitária que recebe muuuitos muuuitos estrangeiros, o que faz da nossa vida aqui bastante tranquila. Não temos medo de ir e vir, porque não precisamos mesmo ter, os casos de violência contra estrangeiros são tão raros que nem contam. Ainda assim, há um clima tenso em certas regiões da cidade um pouco mais distantes do centro. Há certos bairros em que a concentração neo é grande, e, logo, não é aconselhável passear por eles como turista bocó em copacabana.

O mais tenso acontece uma vez por ano. Em um lugar aqui perto de Jena acontece o encontro nacional da juventude neonazista. Como eu sei disso? Me contaram... Eu nao vivi e pode ser que nao viva, porque devo ir embora antes da data oficial. Como o encontro é aqui perto, o clima de Jena também fica meio tenso, principalmente entre os estrangeiros. Ouvi dizer que não é nada agradável, ninguém quer ficar andando por aí nessa época. Mas, na verdade verdadeira, parece que nada acontece praticamente. É direito das pessoas aqui fazerem encontros pra discutir quaisquer assuntos, então o governo também nao reprime esses encontros. Por outro lado, o governo é muito rígido com demonstrações neonazistas "mais enérgicas", como violência. rs.

Vocês lembram aquele club em que eu fui e sobre o qual escrevi aqui? Eu disse que foi uma palhaçada, que eu achava que o moço passou a mão na minha bunda e tals? Nesse bar, vez ou outra, eles não deixam os negros entrarem. Os negros chegam lá e simplesmente são barrados pelos seguranças louros e fortes. Sério! E as negras? Se elas forem jovens e atraentes, elas entram. Isso chegou até a parar no jornal aqui da cidade. Uma das pessoas que foi barrada colocou logo uma notinha no jornal. A primeira ironia da história é que o pub chama Havana Club. A segunda ironia é que as pretas gostosas entram. O neonazismo e o preconceito já foram menos safados. Rs. Um outro bar logo em frente ao Havana Club, o F-Haus, dizem que é pior. Tem concentrações mais regulares de nazis. Quem me falou isso foi uma alemã, que já namorou um cara da africa. Vai saber... Eu não vou lá conferir. Já fui uma vez, mas a festa estava tão ruim, que eu não aguentei ficar. A música era folclorica alemã. Quanto aos nazis? Não os vi, ou não os reconheci.

Sobre essa questão da cor, já há também histórias interessantes. Outro dia estávamos no bar e minhas amigas da Georgia soltaram que eu e o Gusta éramos pretos. Isso foi uma novidade pra nós, que nunca fomos chamados de negros no Brasil - ainda que sejamos pardos-, e começamos a conversar sobre esse assunto. Para elas, éramos pretos e pronto e acabou. A questão era a cor da pele, e elas nos mostraram como parecemos mais pretos do que os outros nas fotos. Hahaha. Realmente parecemos mais corados que os outros nas fotos, não muito dependendo da nacionalidade desses "outros", mas ainda assim na minha percepção as da georgia são tão pretas quanto eu, devido a cor do cabelo, à textura do cabelo, etc etc etc. Aí explicamos a elas que ficamos felizes em sermos pretos, que gostamos dessa identidade, ainda que não seja realmente uma identidade plenamente possível pra nós no Brasil. Explicamos todas as complicações, e elas demoraram a entender. Depois de tentarmos explicar a situação tim tim por tim tim, a pergunta essencial foi: "Por que vocês gostariam mais de ser identificados como negros do que como brancos se os negros têm menos dinheiro, menos acesso à educação, são vistos como mais próximos da marginalidade?" Essa foi uma pergunta bem mais difícil de responder. Tentamos, mas elas ainda ficaram pensativas, já que não seria vantajoso pra nós sermos negros.

Em uma festa, essa discussão voltou ao assunto. Dessa vez, eu estava rodeada de alemães, russos e havia mais um outro que, pela cor, deveria ser indiano. =) Novamente esse assunto voltou, sobre como a questão da identificação das raças é totalmente cultural, e uma alemã perguntou a um russo: "A Ludmila, pra vc, é negra?" Ele: "Claro que não! Tá doida?" E, olhando pra mim: "Não se preocupe. Você passou na prova." Nessa hora eu fiquei tão nervosa, tão nervosa, que todo mundo reparou. Fiquei puta. Aí ele falou pra eu nao ficar nervosa, que ele só tinha feito uma piada. Muito seca e com a cara pegando fogo, eu disse:

"Essa prova em que você disse que passei eu nem nunca fiz e não quero nunca fazer. Se isso foi uma piada ou não, eu não sei. Mas, se essa é uma piada comum entre os russos, eu vou te dar um conselho: Se voce encontrar brasileiros por aí, essa não é meeesmo uma boa piada. Inclusive não é piada, é preconceito".

Bom, o problema é que novamente nenhuma das pessoas entenderam porque eu tava tão puta. Na verdade, elas fizeram uma cara assim: "se você nao é preta, por que diabos tá nervosa, brasileira doida?" Nada fácil a vida de gente parda. rs.

Bom, mas voltando às feridas de Guerra alemãs, algumas coisas são aqui terminantemente proibidas. É proíbido falar por exemplo "Hitler". Quando queremos falar esse nome, por algum motivo, usamos a tática Harry Potter: "Aquele que não pode ser nomeado" ou "Voce sabe quem". Já até começamos a usar Voldemort, para ser engraçadinho. rs. Eu um dia esqueci e disse Hitler no ponto de onibus. Ui. O pessoal mais velho me olhou com cara de indignação, o mais novos com cara de perplexidade. Os estrangeiros riram. As coisas aqui ainda são tabus. Muitos jovens já são bem mais de boa com isso e não se incomodam com essas coisas. Até falam e comentam. Mas quem diria que o vilão de Harry Potter seria alemão, hein!? rs.

É claro que nao quero dizer com isso que a Alemanha é perigosa, que o neonazismo é forte e assustador. NÃO! Eu só estou dizendo que é verdade: aqui essa história está entranhada nos lugares e nas pessoas. Às vezes elas tentam esquecer, tentam ignorar, às vezes se indignam e fazem passeatas do tipo: "Não é possível comemorar enquanto a Alemanha existir" (essa eu vi com meus próprios olhinhos). Hoje perdi uma excursão para um campo de concentração aqui perto. Em breve vou lá sozinha e conto a voces.

Muitos beijos, sempre, e obrigado por terem lido até o fim.

16 comentários:

  1. Eu sou preta com bolinhas alaranjadas. Feito o blog. =)

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  2. Ei Lud!
    Fica brava não, preconceito tem em qualquer parte do mundo.
    Não sei por que ficarem ofendidos em falar em Hitler? Ele era austríaco, segundo dados histórico e obteve cidadania alemã sabe-se lá por que meios. É a mesma coisa que negarmos que tivemos ditadura militar. Aconteceu, sobrevivemos, acabou e fim!
    Bem, mas o melhor é que você está experenciado fatos que não viveria aqui. Você vai tirar de letra as piadinhas.
    Adorei o "preta com bolinhas alaranjadas"!
    Beijinhos desta branquela aqui. rsrs

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  3. Oi, neguinha!! eu sei bem o que você tá sentindo!! eu sinto isso todos os os dias da minha vida coloniana!! e esse negócio do Hitler-Voldemort é mto verdade! o pessoal faz isso mesmo, de o "você sabe quem"... é muita hipocrisia.

    ai, ai...

    bjoca!

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  4. Marcadores: piriguete, voldemort. kkkkkkkkkkkkkkkk.
    Naquele dia em que saiu nos jornais sobre o uso de metadona dos jogadores da seleção alemã na copa de 54, eu e meu pai entramos um pouco nessa discussão... A história da Alemanha tem buracos realmente obscuros e lamentáveis; e se pro resto do mundo isso é difícil de ser aceito, imagino que pra eles deve ser um misto de vergonha, decepção e vontade de se defenderem. Não sei, não é nada simples.
    Você é neguinha sim, em qualquer parte do mundo. Pode ser que os russos não entendam, mas nós sim. Agora a questão que mais se destacou pra mim é que Jena tá maaaaal de nightclubs. hehehe
    bjos!

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  5. 'marcadores: piriguete, voldemort', HAHAHAHAHAHA!
    mto bom, lud!
    como sempre to aprendendo com os textos dos blogs seu, da carol e do gustavo.
    mas, se vc eh preta aí.. me ferrei! :/

    :****

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  6. Me gusta tu blog. Aunque está en portugués, puedo entender bastante bien. ^^
    Una española en Jena

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  7. Neguinha e Jokana Baixu: vai dar um nó na cabeça deles...
    Bjs, saudade, amor e um orgulho enorme de vc.

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  8. Minha pretinha linda, saudade!
    Amo vc.

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  9. Ah! Precisava comentar outra coisa... "A segunda ironia é que as pretas gostosas entram. O neonazismo e o preconceito já foram menos safados." ahahahahaha Você começou dizendo que o post não seria engraçado, mas você não consegue deixar de ser.
    bjs

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  10. oi lud

    gosto de ler o seu blog. mas nao è prohibido falar hitler em publico.se falar isso. sò è prohibido sim se falar com motivo engracadino.entendeu:)aqui em brasil se fala hitler e sa faz esse movimento com o mao porque e engracado.mas la em alemanha esso e ofendido. os jovems da alemanha nao querem saber nada disso porque nao è o assunto deles. a guerra è historia. mas cada ano tem um monte de reportagems sobre a guerra etc

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  11. Oi, Marc. É bacana você ler o meu blog e dar um ponto de vista mais alemão pras coisas que escrevo! =)

    Sim, já percebi mesmo que os jovens acham que não é assunto deles. Há não ser quando são mais politizados e fazem passeatas e demonstrações. Ou quando são neonazis, mas esses não conheço bem. rs.

    Sobre Hitler, o que eu vejo é que, se a gente fala esse nome, as pessoas nos olham, pra saber o que estamos falando pelo menos. Isso é estranho, porque na alemanha ninguém olha pra gente, ninguem quer saber o que estamos fazendo, falando ou comendo. Mas quando falamos "Hitler", isso muda se as pessoas são mais velhas. Talvez porque somos estrangeiros tb. =)

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  12. Gente, um obrigada geral pelos comentários. Eles estão realmente fazendo do blog mais interessante!! =)

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  13. Ja tinha algum tempo q ñ lia, faltando tempo e tal's, mas quando posso entrar vale a pena demais. O blog ficou ótimo, a aparência melhorou muito e os posts continuam divinos, mesmo quando é pra falar de assuntos que nem deveriam existir. E falando de Harry Poter o novo ficou ótimo.

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  14. Ja tinha algum tempo q ñ lia, faltando tempo e tal's, mas quando posso entrar vale a pena demais. O blog ficou ótimo, a aparência melhorou muito e os posts continuam divinos, mesmo quando é pra falar de assuntos que nem deveriam existir. E falando de Harry Poter o novo ficou ótimo.

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  15. Nossa Lud! Essa foi melhor de que "Meias sem par".Acho que o nome é esse mesmo, se não for vc entendeu. Sua alegria e sua felicidade, esse novo momento, nos dão nova direção com certeza para melhor. Que a chuva-neve te cubra de bençãos, e quando a verdadeira neve chegar vc esteja pronta para o mundo.(Se já não estiver) Um beijo
    Ricardo (papai)

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  16. Lud preta? Quem não sabia? rs

    Não me assusto com o neonazismo ainda ter seus seguidores por aí. Aqui no Brasil ainda existem grupos com essa mentalidade e com ações bem mais graves do que a indigna seleção de negras gostosas que podem entrar num bar. O que realmente me assusta é você contar que as pessoas da Alemanha e de outros lugares ainda acreditam que ser negro é desvantagem. Caramba, não era pra essas pessoas serem mais esclarecidas e esquecerem essa história de que a cor da pele determina qualquer valor? Enfim. Tb fico revoltada com essas coisas.
    Parabéns pelo grau elevado de melanina! hehehe

    bjs

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