quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O tempo e a gente

Sim, eu sei. Há muito tempo eu não escrevo. Eu tenho tempo às quartas-feiras, e quarta-feira passada eu deixei passar. Essa quarta-feira, hoje, também está bem mais atarefada que o normal. Entretanto, escrevo, porque sei que compromisso é compromisso, e ele tem que ser realizado com ou sem tempo para isso.

Vou logo avisando que hoje estou sofrendo: estou doente – dores de garganta tão familiares, e amanhã viajo pra Berlim. Esperei essa viagem com todo o meu coração desde o dia que eu comprei o pacotinho de excursão. E, agora, estou doente. Belo saco. Tendo isso em vista, o post hoje parece ser menos honesto em matéria de humor. O que já aumenta bastante minha dívida com vocês, porque o ultimo também não foi lá esse primor. Sinto.

Sábado fez sol. Mas sol daqueles de cortar o coração. Saí de casa para almoçar com meus amigos Gusta e Carlitos e mais uma trinca de alemãs, e adivinha? Sol pra todo lado. Aquele sol lindo, que esquenta só um pouquinho, mas faz os passarinhos cantarem – e não estou descrevendo um filme da Disney. Até chegar à casa dos meninos é uma caminhada e tanto, e eu fui meio cantarolando, meio dançando. Eu senti uma felicidade tão legítima, porque era sem motivo. E percebi que a Alemanha faz coisas comigo, me deixa assim levinha de vez em quando. Aqui sofro das mesmas dores que sofria no Brasil – garganta, estômago, coração, não nessa ordem. E inclusive algumas dores são mais lacerantes e mais solitárias que no Brasil. Mas aqui nessa Jena tão pequena, nessa porra de caixinha em que eu resolvi entrar por cinco meses, eu consigo me sentir bem com uma sensação completamente nova de simplicidade. Simples assim.

Segunda nevou. Eu olhei pela janela e não poderia acreditar no que estava vendo. A chuva parecia grossa demais, a atmosfera parecia branca demais. Abri minha janela em um só movimento. E estendi a mão para fora, como se para pegar a brancura. Não peguei. Na verdade, na minha janela há uns fincos anti-suicidas (não sei como se escreve essa palavra, e a professora aqui tá com preguiça de olhar as regras de hífen). Cortei-me, sangrou. E eu que queria pegar o branco, só ganhei o vermelho mesmo. E um tanto bastante decente de vermelho, que sujou a minha janela. Quando eu fui limpa-la, com meu paninho azul, vi que floquinhos de neve-chuva tinham caído em cima da minha mancha vermelha. Sentei na cama, sem fôlego. Isso é final de poesia que acontece na vida real, no meio do dia. E, mais uma vez, a Alemanha me mostrou pra que veio. E eu a recebo, mais uma vez, com meus completos e reverentes (às vezes também irreverentes, rs) agradecimentos.

Nesse dia, saí de casa e continuou nevando até tarde. Tirei o guarda-chuva, e fiquei lá, feliz observando meu casaco salpicado de açúcar do confeiteiro doidão que acha que a gente é bolo. Claro, ganhei essa dor de garganta de que vos falo. E a sensação de que posso ser uma pretinha de bolinhas alaranjadas ou um mini-berlim recheado de geléia e salpicado de açúcar. E ainda é bonito o paradoxo que parece haver em SALpicar de AÇÚCAR. Viva o português! Agora, minha gente, não neva mais. Mas, da minha janela, tem uma montanha branquiiiiiinha. E as árvores dela, pessoal, são árvores de natal, verdinhas com pontinhos brancos. Eu olho pra fora e vejo Natal. Mein Leben schmeckt nach Weihnachten.

Mas todos os alemães, no fim das contas, acharam linda a minha embasbacação com a neve. Tirando foto e tudo do meu sorriso de criança descobrindo o mundo. Eles, entretanto, que tentavam me animar ainda mais, disseram: Mas isso não é neve, Ludmila, isso é Neve-chuva (Schnee-Regen). Você vai gostar mesmo quando vier a neve. Eu ri. E percebi com que loucura a gente se acostuma com as coisas. Queridos alemães do meu coraçãozinho, NEVE não é só NEVE, e NEVE-CHUVA não é só NEVE-CHUVA. Tenho que me lembrar disso pra chegar ao Brasil e tentar ver com olhos de enxergar.


E adivinhem? Enquanto escrevo esse posto passou um floquinho de neve-chuva na minha janela. Em homenagem a vocês, temos de volta nosso açúcar de confeiteiro.

Eu ainda tenho um tanto pra escrever. Vou escrever agora, mas fazer outro post. Sei lá quando publico. De repente, daqui a pouco. Hahahahaha

Amor, sempre.

5 comentários:

  1. neve eh magico. :~~~~~~~~~~~~
    adorei o post! curte a neve bastante, eh sempre bom ^^
    saudade!
    :*

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  2. Ei Lud!
    Que poesia heim?
    Estou bastante emocionada com sua percepção. Aliás estou sensível mais do que o normal, porque há dez dias fui pega de surpresa com a morte de uma grande amigo, marido de uma grande amiga. Pedro Prestes se foi após uma cirurgia para retirar aneurismas da aorta. Mas na verdade,quem o matou foi o maldito cigarro que fumou até o ano passado.
    Tristezas à parte... bacana a sua relação com a Alemanha. Esquece que tem garganta e curta Berlim.
    Cure as dores com o açucar neve de confeiteiro.
    Beijos. Cris

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  3. Já te imagino toda lud, toda plena e bonita. Que saudade!

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  4. Nossa, hoje não teve SchneeRegen, teve SchneeSchnee! Depois vc podia escrever com a mesma perfeição sobre as táticas anti-escorregadísticas no caminhar nosso de todo dia, porque hoje, descendo pro centro, o velhinho alemão ganhou a corrida contra a juventude brasileira que convosco comenta.

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  5. Ah Lud! Fiquei ouvindo as notícias sobre o tempo por aqui e pensando se estava tudo bem por aí. Neve-chuva parece bem gostoso! Evite os efeitos colaterais da próxima vez ;) Daqui a pouco as dores passam, e dão lugar a outras. Que venham as dores bonitas, como a do vermelho na janela esbranquiçada. bjs!

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