Pode parecer que sou uma pessoa mais triste por isso. Não sou. Me esqueço quase sempre com facilidade das tristezas, não me frustro porque não espero muito de nada nem de ninguém. Sou, entretanto, um estorvo para quem quer que eu me decida. Mas, depois de 24 anos, tenho certa certeza do que não gosto, o que, como dizem os consoladores, já é um começo.
Minha quarta deficiência – além da falta de sonhos, de memória e de imaginação – é a visual. Não vejo nada, ou praticamente nada. E aquilo que vejo me foge em pouquíssimos segundos. Fui ao médico, e não tenho tantos graus de miopia assim (só quatro). A conclusão óbvia é a de que sou vazia e quase anestesiada. O que faz todo sentido, não fosse outra idiossincrasia: não conheço ninguém capaz de se apaixonar tanto e tão instantaneamente, paixões de trinta segundos, de um minuto, de semanas, e até paixões de anos – ainda que a memória me falhe, há certas coisas e pessoas que simplesmente se mantêm. E, como todos sabem, paixões pelo bonito e pelo feio, pelo lindo e pelo horroroso.
Paris não foi paixão de minuto. Não será eterna, já sei, porque já começo a esquecer exatamente o que fiz lá, o que vi... Mas talvez alguma fagulha da maravilha que lá vivi permaneça eternamente. Foi até agora o que mais me impressionou nessa Europa. A Torre Eiffel é muito melhor do que se pode imaginar, e o meu coração desavisado, que se esqueceu de imaginar e se preparar, foi pego num susto só. Principalmente quando anoiteceu e a torre se acendeu. O Louvre é como nos melhores filmes, e a Mona Lisa é mesmo pequena, mas ainda assim uma graça de mistério. A múmia egípcia, por outro lado, era mais feia do que imaginei quando li os livros Ramsés e a Pedra da Luz, mas me fez lembrar mamãe, que, ao contrário, é linda. (Ufa, evitei piadinhas, aqui, hein?) Achei lá a estátua do Ramsés, inclusive, e procurei desesperadamente o Radamés, mas sem sucesso. Pensei em tirar uma foto de uma estátua sem cabeça e gigante e dizer que tinha o nome do meu pequeno gigante irmão, mas achei que ele poderia descobrir o truque. Rs. Vi Versailles, e foi fácil entender como podia haver tanta gente nas cortes do reis. É tão grande que não tem jeito de explicar. Por azar, os jardins estavam fechados devido à neve. Mas não achem que a culpa é da minha amada neve. A culpa é dos franceses, que são frescos.
(obs.: os estudantes de intercambio na Europa que forem visitar a França, não esqueçam o passaporte no hostel. Ele pode garantir entradas grátis a partir do carimbo de visto, como em Versailles).
E aquela história de que os franceses são descorteses? Besteira. Não sei se já estou habituada demais à delicadeza elefantal alemã, mas não tenho nadinha a reclamar.
Por fim, tive a sensação de que, mesmo sem sonhos, tendo vindo à Europa por mais um golpe do destino, mesmo sem memória e sem esperanças, há sempre algo que posso experienciar sem sequer entender. E há tudo que não é palpável, que não fica na memória, mas que eu pude respirar. Eu não nasci pra ver, porque não é dessa matéria que sou feita. Sou só tomada por arroubos, que por vezes não posso controlar. E Paris foi sim um arroubo, foi falta de fôlego, é, mais uma vez, a beleza que, de tão bela, me entristece.
Essa sou euzinha em cima da Torre Eiffel. Não dá pra ver que é lá, mas dá pra acreditar, pelo meu sorriso bobo.
Queria que alguns de vocês tivessem comigo, pra me ajudar a ver.