quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Como anda a vida?

Sobre a vida noturna em Jena? Melhorou bem... Ui.


Primeiro: coloquei como terminantemente proibida a minha entrada em clubes com fama de nazis ou em que eu já tenha sido empurrada mais de duas vezes. Ou seja, parei de passar raiva. E quanto alguém me chama pra ir, eu respondo: “Desculpe, sou proibida de entrar lá”. Eles me olham com uma cara de “o que será que ela fez?” e tudo fica ótimo. Adoro a discrição estrangeira européia.

Segundo: a verdade é que não tenho 18 anos e, sim, 24, o que já muda certos conceitos de boas e más festas. Os Erasmus (estudantes estrangeiros) estão sempre por aí, na casa dos 18 a 20, o que os coloca no auge da animação. E não só por isso: muitos deles estão ficando longe do papai e da mamãe pela primeira vez, e querem curtir as festas! Tão errados?! Não... Lógico que não... Eu faria o mesmo. Mas não tenho saúde nem dinheiro, e, escolhendo melhor, só ganho.

Há um clube em Jena chamado Kassablanca. E o que eu descobri sobre ele é que é famoso em toda a Europa!!!! Sim, um clubinho aqui de Jeninha famoso em toda a europa. Por quê? Qualidade técnica impecável, djs de primeiríssima, espaço liiindo de morrer. Tem que ter um defeito? Tem: o preço não é de estudante. Mas vale a pena faltar a duas festas de estudantes pra ir ao Kassa uma noite só, moçada. O que mais tem lá? Shows lindos de viver. Outro domingo desse aí tocou uma dupla de irmãos brasileiros. Chorinho e samba, samba e chorinho, sei lá qual é qual. =) Só instrumentos, todos sentadinhos, e eu chorando de saudade da minha terra e pensando: Não há melhor jeito de se apaixonar pelo Brasil do que estando no exterior. Não há. Gustavo, inclusive, escreveu um post ótimo sobre isso, dizendo o que todo mundo queria dizer:

http://ogustavofoiali.blogspot.com/

O Kassa também é finalmente o clube alternativo com que eu tanto sonhei. Gente alternativa!!! Êêêêêê. Significa festa estranha com gente esquisita e até mesmo GAYS!! Sim, Gays. Outro dia teve uma festa de drags, todas as terças é bar gay. Hahahaha. Eu achei foi engraçado. Nunca fui ao dia de viado. Mas fiquei feliz, porque assim, como no Brasil, os lugares alternativos da Alemanha são lotados de gente estranha que é supereducada. Nunca fui tão bem tratada pelos alemães. Nunca recebi tantos pedidos de desculpa pelos encontrões que levei durante as danças! E eu finalmente elegi o meu lugar preferido pra dançar.

E o que mais?! Uma quinta dessas teve uma festa gay em pleno Rosenkeller. O que isso significa? Uma festa gay no centro da cidade tradicional, uma festa gay no bar mais estudantil e movimentado da cidade. E foi ótima também, pessoal. E não havia só gays lá. Conheci um monte de moços heteros e finalmente legais. =) Como eu amo festas alternativas! Como eu amo bicha dançando!!!! Quanta felicidade no meu coração.

Por fim, no mesmo fim de semana, tivemos a festa de aniversário da Annuka e o show dos queridos que vieram de belzonte só pra alegrar nossa semana no evento brasileiro. Nesse dia, vi também o documentário do Simonal com legendas em alemão. Inclusive, toda vez que eu ouço a história do Simonal, fico com a pulga atrás da orelha. Mais ou menos a mesma que eu tenho em relação à danada da Capitu. Um saco esse suspense.

Por fim, festejei até domingo de manhã, conheci um montão de gente mais ou menos doida e me diverti a valer. Esse post tem graça? Não. Mas eu precisava me redimir, porque andei só falando que Jena é um ovo em que não há nada pra fazer a não ser encontrar alemães que passam a mão na nossa bunda. E fiquei pensando... Se eu tivesse em belo horizonte e não conhecesse nada, eu COM CERTEZA ia parar em lugares tipo Sete Cumes (isso ainda existe?! Hahaha) e seria abordada por homens sem camisa e grosseiros. É tudo uma questão de futucar e achar a sua turma. E, sim, Marc, eu amo os alemães que eu amo. Eles são tããããããããããããão legais, ainda com todas as barreiras culturais que não me deixam entender certos comportamentos. Eu amo essa cultura, eu amo fazer supermercado e ter que enfiar uma moedinha de um euro no carrinho. Inclusive, POR FAVOR, leiam esse post do gusta sobre o supermercado. É maravilhoso e superdidático.

http://ogustavofoiali.blogspot.com/2010/11/fazendo-compras.html

Gente, tenho certeza que vou voltar de berlim com ótimas histórias pra contar. Esperem e verão! Não me abandonem só porque o meu aproveitamente nos últimos dois posts não foi o esperado.

Muitos beijos

p.s.: ja voltei de berlim. em breve, quentinhas da capital gelada e sob neve.

O tempo e a gente

Sim, eu sei. Há muito tempo eu não escrevo. Eu tenho tempo às quartas-feiras, e quarta-feira passada eu deixei passar. Essa quarta-feira, hoje, também está bem mais atarefada que o normal. Entretanto, escrevo, porque sei que compromisso é compromisso, e ele tem que ser realizado com ou sem tempo para isso.

Vou logo avisando que hoje estou sofrendo: estou doente – dores de garganta tão familiares, e amanhã viajo pra Berlim. Esperei essa viagem com todo o meu coração desde o dia que eu comprei o pacotinho de excursão. E, agora, estou doente. Belo saco. Tendo isso em vista, o post hoje parece ser menos honesto em matéria de humor. O que já aumenta bastante minha dívida com vocês, porque o ultimo também não foi lá esse primor. Sinto.

Sábado fez sol. Mas sol daqueles de cortar o coração. Saí de casa para almoçar com meus amigos Gusta e Carlitos e mais uma trinca de alemãs, e adivinha? Sol pra todo lado. Aquele sol lindo, que esquenta só um pouquinho, mas faz os passarinhos cantarem – e não estou descrevendo um filme da Disney. Até chegar à casa dos meninos é uma caminhada e tanto, e eu fui meio cantarolando, meio dançando. Eu senti uma felicidade tão legítima, porque era sem motivo. E percebi que a Alemanha faz coisas comigo, me deixa assim levinha de vez em quando. Aqui sofro das mesmas dores que sofria no Brasil – garganta, estômago, coração, não nessa ordem. E inclusive algumas dores são mais lacerantes e mais solitárias que no Brasil. Mas aqui nessa Jena tão pequena, nessa porra de caixinha em que eu resolvi entrar por cinco meses, eu consigo me sentir bem com uma sensação completamente nova de simplicidade. Simples assim.

Segunda nevou. Eu olhei pela janela e não poderia acreditar no que estava vendo. A chuva parecia grossa demais, a atmosfera parecia branca demais. Abri minha janela em um só movimento. E estendi a mão para fora, como se para pegar a brancura. Não peguei. Na verdade, na minha janela há uns fincos anti-suicidas (não sei como se escreve essa palavra, e a professora aqui tá com preguiça de olhar as regras de hífen). Cortei-me, sangrou. E eu que queria pegar o branco, só ganhei o vermelho mesmo. E um tanto bastante decente de vermelho, que sujou a minha janela. Quando eu fui limpa-la, com meu paninho azul, vi que floquinhos de neve-chuva tinham caído em cima da minha mancha vermelha. Sentei na cama, sem fôlego. Isso é final de poesia que acontece na vida real, no meio do dia. E, mais uma vez, a Alemanha me mostrou pra que veio. E eu a recebo, mais uma vez, com meus completos e reverentes (às vezes também irreverentes, rs) agradecimentos.

Nesse dia, saí de casa e continuou nevando até tarde. Tirei o guarda-chuva, e fiquei lá, feliz observando meu casaco salpicado de açúcar do confeiteiro doidão que acha que a gente é bolo. Claro, ganhei essa dor de garganta de que vos falo. E a sensação de que posso ser uma pretinha de bolinhas alaranjadas ou um mini-berlim recheado de geléia e salpicado de açúcar. E ainda é bonito o paradoxo que parece haver em SALpicar de AÇÚCAR. Viva o português! Agora, minha gente, não neva mais. Mas, da minha janela, tem uma montanha branquiiiiiinha. E as árvores dela, pessoal, são árvores de natal, verdinhas com pontinhos brancos. Eu olho pra fora e vejo Natal. Mein Leben schmeckt nach Weihnachten.

Mas todos os alemães, no fim das contas, acharam linda a minha embasbacação com a neve. Tirando foto e tudo do meu sorriso de criança descobrindo o mundo. Eles, entretanto, que tentavam me animar ainda mais, disseram: Mas isso não é neve, Ludmila, isso é Neve-chuva (Schnee-Regen). Você vai gostar mesmo quando vier a neve. Eu ri. E percebi com que loucura a gente se acostuma com as coisas. Queridos alemães do meu coraçãozinho, NEVE não é só NEVE, e NEVE-CHUVA não é só NEVE-CHUVA. Tenho que me lembrar disso pra chegar ao Brasil e tentar ver com olhos de enxergar.


E adivinhem? Enquanto escrevo esse posto passou um floquinho de neve-chuva na minha janela. Em homenagem a vocês, temos de volta nosso açúcar de confeiteiro.

Eu ainda tenho um tanto pra escrever. Vou escrever agora, mas fazer outro post. Sei lá quando publico. De repente, daqui a pouco. Hahahahaha

Amor, sempre.

domingo, 7 de novembro de 2010

Eu sou neguinha...

Oi, pessoal.

Eu achei que eu seria diferente de todos os outros intercambistas que conheço e que postaria com mais frequencia no meu blog. Pura ilusão! A verdade é que eu descobri que aqui as pessoas podem ter uma vida mais ou menos normal, de trabalhos e estudos, o que faz não sobrar tanto tempo como o imaginado para postagens de textos looongos como os que eu costumo postar. rs. Ok, ok.

Hoje, quem estiver esperando mais um dos meus textos bem-humorados de sempre, pode parar de ler por aqui. Rs. O assunto hoje é mais sério, finalmente. Neo-nazismo, cultura, complicações estrangeiras:

Bom, ao sair do Brasil, ouvi vários conselhos que achei bastante engraçados, do tipo: "cuidado com o neo-nazismo"; "cuidado que na alemanha você é preta"; "Não vai contando pra todo mundo seus pensamentos liberais, que você morre". Eu achei tudo isso uma bela palhaçada, e inclusive fiz várias piadas com esse conteúdo antes da minha partida. Certo, até certo ponto, é sim uma bela palhaçada, mas só até certo ponto.

Eu moro em uma cidade universitária que recebe muuuitos muuuitos estrangeiros, o que faz da nossa vida aqui bastante tranquila. Não temos medo de ir e vir, porque não precisamos mesmo ter, os casos de violência contra estrangeiros são tão raros que nem contam. Ainda assim, há um clima tenso em certas regiões da cidade um pouco mais distantes do centro. Há certos bairros em que a concentração neo é grande, e, logo, não é aconselhável passear por eles como turista bocó em copacabana.

O mais tenso acontece uma vez por ano. Em um lugar aqui perto de Jena acontece o encontro nacional da juventude neonazista. Como eu sei disso? Me contaram... Eu nao vivi e pode ser que nao viva, porque devo ir embora antes da data oficial. Como o encontro é aqui perto, o clima de Jena também fica meio tenso, principalmente entre os estrangeiros. Ouvi dizer que não é nada agradável, ninguém quer ficar andando por aí nessa época. Mas, na verdade verdadeira, parece que nada acontece praticamente. É direito das pessoas aqui fazerem encontros pra discutir quaisquer assuntos, então o governo também nao reprime esses encontros. Por outro lado, o governo é muito rígido com demonstrações neonazistas "mais enérgicas", como violência. rs.

Vocês lembram aquele club em que eu fui e sobre o qual escrevi aqui? Eu disse que foi uma palhaçada, que eu achava que o moço passou a mão na minha bunda e tals? Nesse bar, vez ou outra, eles não deixam os negros entrarem. Os negros chegam lá e simplesmente são barrados pelos seguranças louros e fortes. Sério! E as negras? Se elas forem jovens e atraentes, elas entram. Isso chegou até a parar no jornal aqui da cidade. Uma das pessoas que foi barrada colocou logo uma notinha no jornal. A primeira ironia da história é que o pub chama Havana Club. A segunda ironia é que as pretas gostosas entram. O neonazismo e o preconceito já foram menos safados. Rs. Um outro bar logo em frente ao Havana Club, o F-Haus, dizem que é pior. Tem concentrações mais regulares de nazis. Quem me falou isso foi uma alemã, que já namorou um cara da africa. Vai saber... Eu não vou lá conferir. Já fui uma vez, mas a festa estava tão ruim, que eu não aguentei ficar. A música era folclorica alemã. Quanto aos nazis? Não os vi, ou não os reconheci.

Sobre essa questão da cor, já há também histórias interessantes. Outro dia estávamos no bar e minhas amigas da Georgia soltaram que eu e o Gusta éramos pretos. Isso foi uma novidade pra nós, que nunca fomos chamados de negros no Brasil - ainda que sejamos pardos-, e começamos a conversar sobre esse assunto. Para elas, éramos pretos e pronto e acabou. A questão era a cor da pele, e elas nos mostraram como parecemos mais pretos do que os outros nas fotos. Hahaha. Realmente parecemos mais corados que os outros nas fotos, não muito dependendo da nacionalidade desses "outros", mas ainda assim na minha percepção as da georgia são tão pretas quanto eu, devido a cor do cabelo, à textura do cabelo, etc etc etc. Aí explicamos a elas que ficamos felizes em sermos pretos, que gostamos dessa identidade, ainda que não seja realmente uma identidade plenamente possível pra nós no Brasil. Explicamos todas as complicações, e elas demoraram a entender. Depois de tentarmos explicar a situação tim tim por tim tim, a pergunta essencial foi: "Por que vocês gostariam mais de ser identificados como negros do que como brancos se os negros têm menos dinheiro, menos acesso à educação, são vistos como mais próximos da marginalidade?" Essa foi uma pergunta bem mais difícil de responder. Tentamos, mas elas ainda ficaram pensativas, já que não seria vantajoso pra nós sermos negros.

Em uma festa, essa discussão voltou ao assunto. Dessa vez, eu estava rodeada de alemães, russos e havia mais um outro que, pela cor, deveria ser indiano. =) Novamente esse assunto voltou, sobre como a questão da identificação das raças é totalmente cultural, e uma alemã perguntou a um russo: "A Ludmila, pra vc, é negra?" Ele: "Claro que não! Tá doida?" E, olhando pra mim: "Não se preocupe. Você passou na prova." Nessa hora eu fiquei tão nervosa, tão nervosa, que todo mundo reparou. Fiquei puta. Aí ele falou pra eu nao ficar nervosa, que ele só tinha feito uma piada. Muito seca e com a cara pegando fogo, eu disse:

"Essa prova em que você disse que passei eu nem nunca fiz e não quero nunca fazer. Se isso foi uma piada ou não, eu não sei. Mas, se essa é uma piada comum entre os russos, eu vou te dar um conselho: Se voce encontrar brasileiros por aí, essa não é meeesmo uma boa piada. Inclusive não é piada, é preconceito".

Bom, o problema é que novamente nenhuma das pessoas entenderam porque eu tava tão puta. Na verdade, elas fizeram uma cara assim: "se você nao é preta, por que diabos tá nervosa, brasileira doida?" Nada fácil a vida de gente parda. rs.

Bom, mas voltando às feridas de Guerra alemãs, algumas coisas são aqui terminantemente proibidas. É proíbido falar por exemplo "Hitler". Quando queremos falar esse nome, por algum motivo, usamos a tática Harry Potter: "Aquele que não pode ser nomeado" ou "Voce sabe quem". Já até começamos a usar Voldemort, para ser engraçadinho. rs. Eu um dia esqueci e disse Hitler no ponto de onibus. Ui. O pessoal mais velho me olhou com cara de indignação, o mais novos com cara de perplexidade. Os estrangeiros riram. As coisas aqui ainda são tabus. Muitos jovens já são bem mais de boa com isso e não se incomodam com essas coisas. Até falam e comentam. Mas quem diria que o vilão de Harry Potter seria alemão, hein!? rs.

É claro que nao quero dizer com isso que a Alemanha é perigosa, que o neonazismo é forte e assustador. NÃO! Eu só estou dizendo que é verdade: aqui essa história está entranhada nos lugares e nas pessoas. Às vezes elas tentam esquecer, tentam ignorar, às vezes se indignam e fazem passeatas do tipo: "Não é possível comemorar enquanto a Alemanha existir" (essa eu vi com meus próprios olhinhos). Hoje perdi uma excursão para um campo de concentração aqui perto. Em breve vou lá sozinha e conto a voces.

Muitos beijos, sempre, e obrigado por terem lido até o fim.