quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Ela e o gosto de biotônico Fontoura

Ela foi embora sem olhar pra trás. Há tempos eu tentava aprender essa habilidade, e nunca consegui. Ela simplesmente se vai, não pára para pensar, não diminui o passo, não se detém fingindo que está arrumando o cabelo, nada. Nas pequenas despedidas, isso já sempre me incomodou. De manhã, ela saia pro trabalho, com o seu sempre ar de importância. E não se virava para mim, não dava o “tchau” tardio e cretino. Uma vez decidi a observar por mais tempo. Sempre acreditei que, em algum momento, em que eu não estivesse olhando, ela me jogaria a sua saudade indigna. Não. Não fez. Ela é totalmente capaz de ir embora sem fraquejar. Quantas vezes, então, ela entrou em um táxi e passou ao meu lado? Ela se lembrou de que eu estava na rua à espera de qualquer sinal de paixão infantil? Talvez. Mas mesmo assim não recebi nada em troca da minha esperança por migalhas.

Houve alguns momentos em que tive que ir embora. Poucos, mas por vezes bastante intensos, com gosto de ferro do biotônico Fontoura. Eu sabia que ela não ia me olhar descer as escadas, por exemplo. Quando eu me virava para despejar sobre ela toda a minha fraqueza, a porta já estava se fechando, e ela talvez já estivesse à procura do controle remoto. E eu só queria o ultimo olhar. Parei, então, de pedir por ele nesse silencio sufocante da derrota diária. Eu me decidi a alcançar os brios a que ela já estava tão acostumada. O que, de qualquer forma, era impossível. Eu já tinha descido a indignidade tantas vezes ao sempre me virar numa expectativa que caiu repetidamente por terra, que nada diminuiria meu crime. De qualquer maneira, ela nunca saberia que eu fazia tanto esforço para segurar os músculos do meu pescoço. Talvez ela nunca sequer soubesse que eu me virei, que eu deixei de me virar ou que essa pequeneza era tão importante pra mim. Mas eu queria que, se algum dia ocorresse a ela pensar nisso, que eu fosse sempre um símbolo de quem nunca se curvou desgraçadamente às ânsias do amor, como ela era. Ou de quem talvez nunca nem mesmo tivesse tido ânsias tão baixas, ela.

Mas na partida derradeira, nessa sim, nessa eu merecia um olhar que fosse, de consolo, de tristeza, de desgaste, de alegria, de olhar. Eu queria só um olhar de olhar. E acompanhei quando ela entrou, quando se sentou, quando tirou seu casaco. Esperei longos e cansativos cinco minutos. Ela não se lembrou de que eu poderia estar ali ou não quis perder a dignidade solene do momento em que eu, em pé na estação, olhava para dentro do trem como se procurasse algo. Eu não procurava nada, queria que me encontrassem. Por fim, faltavam ainda três minutos para a partida. Me aprumei e desci as escadas. Afinal, ela havia demonstrado mais uma vez que a postura na despedida é maior que a própria despedida. E eu, inconsolável, não queria que ela fraquejasse no ultimo minuto e visse que fraquejei por minutos seguidos. Me detive, de qualquer maneira, no andar de baixo. E ouvi o trem dando a partida. Ouvi com os olhos e meu rosto estava de novo na direção oposta a do meu corpo. Mas ela não saberia.

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